English / Español
Busca

Digite abaixo o que deseja encontrar:

 
Políticas Culturais

LITERATURA DE LIXO?
Patxi Irurzun

“Eloísa Cartonera”, pequena editorial argentina, publica minilivros de autores latino-americanos, alguns deles de prestígio internacional (Cesar Aira, Ricardo Piglia…), elaborados pelos cartoneros ou “cirujas”, os trabalhadores do lixo portenhos, que recolhiam para a reciclagem, papelão, latas, plástico, etc., em lixões…

“Não há faca sem rosas”. Assim se chama o local no qual se elaboram e vendem os livros de “Eloísa Cartonera”. “Não há faca sem rosas” é na verdade uma quitanda de bairro na qual os impulsores desta editora despachavam até há bem pouco tempo, junto com seus curiosos livros, batatas e cebolas a preço de custo.

Tudo é singular em “Eloísa Cartonera”: os próprios livros, livros raros, únicos, cada um deles com sua capa de papelão pintada à mão por “cirujas” de Buenos Aires; o fato de que reconhecidos autores cedam seus direitos a esta modesta editora; inclusive o sucesso, transformado quase em um fenômeno que se exportou a outros países (“Sarita Cartonera”, no Peru), de um modesto projeto artístico e social de caráter altruísta impulsionado por dois inquietos criadores.

Conta Javier Barilaro, artista plástico e desenhista gráfico: “o escritor Washington Cucurto e eu já fazíamos livros, editávamos poesia de maneira independente, por amor à arte. E a Cucurto ocorreu a idéia que fizéssemos livros com tampas de papelão. Se o poderíamos comprar de cartoneros e assim fazer algo mais que divulgar literatura de qualidade, também dar trabalho, incluir socialmente um grupo que, apesar de ser numeroso, é algo assim como “fantasma”: os papeleiros ao não ser manifestantes, nem revoltosos, ao não pedir nada, ao limitar-se simplesmente a fazer seu trabalho, não são clientes políticos de ninguém. Assim surge nossa editora. E provavelmente porque é um tema de atualidade, explodiu nem bem nasceu. Começamos em março de 2003. Então criávamos nós mesmos os livros. Em agosto de 2003, se une Fernanda Laguna, uma artista e escritora que compartilha nossas inquietações artísticas e sociais. Ela tinha dinheiro, e abrimos uma sede estável: “Não há faca sem rosas”. A partir daí, pudemos dar trabalho a alguns catadores de papel para que realizem os livros eles mesmos. Hoje há cinco garotos que trabalham quase todas as semanas”.

É destes “coletores urbanos”, como são chamados os catadores de papel na pleonástica linguagem institucional, que Eloísa Cartonera compra diretamente o papelão com o qual elaboram seus livros. “Selecionamos muito, deve estar limpo, sem rugas, e preferimos o mais colorido”, explica Barilaro. Há um grupo de quatro ou cinco que já nos conhecem e nos trazem. Depois se corta a medida da tampa e os garotos as pintam. O conceito artístico é que eles os façam como lhes goste, não me proponho como diretor, decidir que é lindo e que é feio. Não são livros de papelão, mas “livros cartoneros”, conclui.

Eloísa Cartonera funciona, de todos modos, sem ânimo de lucro. Compram o papelão a 1.50 pesos argentinos o quilo, quando o preço habitual é de 0,30. As vendas só permitem continuar o trabalho e pagar os catadores de papel: 3 pesos argentinos a hora. E o aluguel de “Não há faca sem rosas”, a eletricidade… Barilaro e Cucurto, por sua vez, não recebem remuneração alguma. Seguem, portanto, publicando livros por puro amor à arte. Quanto a isso, a parte artística do projeto em Eloisa Cartonera, reconhecem que seus livros funcionam porque eles não só são um par de “hippies sensíveis” mas, cada um no seu âmbito, autores de certo prestígio. Washington Cucurto, por exemplo, é um escritor conhecido nos meios literários argentinos, o qual levou a que outros colegas como Osvaldo Reinoso, Cesar Aira, Enrique Lhin ou Ricardo Piglia publiquem em Eloisa Cartonera, o que repercute em resenhas em imprensa, convites a feiras… “Muitos dos autores nos compram seus próprios livros e os presenteiam, outros vêm nos visitar em nossa oficina, que é um local com vitrines: os livros se fazem à vista do público. Alguns autores se põem a pintar tampas com os garotos, termina sendo até uma espécie de performance...”

Até o momento “Eloisa Cartonera” publicou 56 livros de autores latino-americanos, tudo isso material inédito e inclusive de culto (contos esgotados, difíceis de encontrar, raros…). Além disso, em “Não há faca sem rosas” foram expostas instalações artísticas com pinturas e arte realizadas usando o papelão como suporte, prêmios diversos foram recebidos, e o projeto foi qualificado como “evento cultural do ano” na Argentina.

“Nós mesmos estamos descobrindo dia a dia o que temos entre mãos”, diz Barilaro, surpreendido pelo sucesso de sua iniciativa. Uma iniciativa e um sucesso que já se está estendendo a outras cidades e países.

http://www.literaturas.com/v010/sec0411/opinion/colaboracion.htm

 

 

Rua Boa Vista, 84 – 1° Andar – 01014-000 – Centro – São Paulo/ SP – Brasil. Tel: (11) 3293 5473– Fax: (11) 3101 9660