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Palestra

PALESTRA CENTRO MARIA ANTONIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - 17/01/06
Ferran Vianna

Barcelona passou por fases distintas: depois da “grande noite” do pós-guerra, da ditadura, chegam as prefeituras democráticas e encontram cidades onde seus cidadãos estavam “divorciados” da Cidade, havendo uma enorme distância entre as pessoas que tinham a responsabilidade de mudar as cidades e as pessoas que, em teoria, haveriam de gostar dessas novas cidades. Não havia comunicação, e o estabelecimento de eleições democráticas também não garantia que a transmissão das opiniões da população, que ficou tanto tempo sem poder decidir nada, pudesse se tornar realidade.

Então, nesse momento, são criados uma série de novos mecanismos, e um desses novos mecanismos a meu ver funcionou muito bem. Tratava-se de uma campanha que tinha previsão de durar algo entorno de três meses, mas que mesmo com dificuldades, hoje já está em seus 20 anos de duração e durante 15 anos eu estive trabalhando nesse projeto, procurando, imaginado e tentando descobrir novas formas de cooperação público-privadas.

Toda a filosofia dessa campanha consistia em potencializar a comunicação, colaboração, e interação, entre o setor público - fundamentalmente representado pela prefeitura - e o setor privado, este dividido em dois blocos. Um bloco sendo composto pelos cidadãos que residiam na região e o segundo composto por empresas e organizações sociais, que colaboravam em ambas as duas fases do projeto.

O que quero deixar claro é que esse não é um projeto monótono da prefeitura. Não se trata de um projeto extremamente burocrático como tantos que acabam por tornar impossível o contato com a população, mas sim de “uma historia de amor” onde objeto de maior importância é potencializar o orgulho cívico, o orgulho pela cidade. Cada um crê que sua cidade é a melhor, ou assim deveria ser. Trata-se de potencializar esse sentido de orgulho de pertencer a uma comunidade que tem seus valores, destacando esse valores, que em nosso caso tratavam-se de valores patrimoniais enormes, reconhecidos principalmente após os jogos olímpicos, que veio incrementar o turismo em Barcelona.

Quando se pergunta a um turista o que mais lhe agradou em Barcelona, a grande maioria responde que foi a arquitetura. No nosso caso, esse se tornou o elemento que tínhamos de melhorar através desta campanha. O orgulho cívico, o sentido de propriedade que está relacionado à idéia de que uma pessoa pertence a algum lugar... esse é um elemento muito importante em tudo que temos feito, em qualquer pequeno detalhe de tudo que vínhamos fazendo, isso estava em primeiro lugar, e a recuperação dos sinais de identidade, sinais que foram perdidos no curso dos anos, que haviam sido esquecido pela grande maioria da população, e que através de um sistema inteligente de comunicação, apoiado em muitos fatores, acabava por fazer até que um taxista quando levava alguém a uma localidade da cidade entenda que esse local tem um valor, e qual é esse valor, isso também foi muito importante para nós.

Em um sentido muito mais prosaico, era importante também que desenvolvêssemos uma cultura de manutenção da “pele” da cidade, já que as pessoas, uma vez que um edifício havia sido construído, ou restaurado, tinham a mentalidade de que já não era preciso fazer nada. Mas, sem dúvida, há muito que fazer, tarefas de manutenção ao longo do tempo para que não se torne necessário derrubar o edifício, para que se possa mantê-lo, para que se possa ir limpando o telhado, para que quando chova as águas possam ser escoadas facilmente evitando as infiltrações. Ou seja, essa cultura de manutenção é outro objetivo geral de uma campanha como a que realizamos.

A campanha nasce no inicio de 1985. Em dezembro a prefeitura aprova um procedimento, uma espécie de pequena lei, que dizia que alguns programas desse tipo, propostos à população, quando realizados, receberiam uma ajuda do município. O local dos jogos olímpicos não haviam ainda sido estabelecido, sendo somente decidido seu local de realização em outubro de 1986, quando se estabelece que Barcelona seria sede dos jogos olímpicos de 1992.

A aprovação dessa lei não teve, efetivamente, significado nenhum, já que não havia nenhum instrumento sólido para sua realização. Em março de 86 é criado um escritório especial para cuidar e gerir o funcionamento dessa normativa, para fazer com que a as pessoas interessadas no projeto se inteirassem, uma vez que sem comunicação os mesmos não saberiam o que se passava, e segundo, para que quando houvesse o interesse inicial de realizar mudanças em sua propriedade, seja em sua fachada, seja em seu telhado, onde quer que seja, que a resposta da prefeitura fosse imediata e positiva.

Essa resposta é elaborada e aceita em um período de três meses, e logo, quando há a explosão de entusiasmo, de júbilo da população, pela realização dos jogos olímpicos, as pessoas se concentravam nas praças comemorando de alegria, por que não sabiam que teriam de pagar, muito contentes pela realização dos jogos em Barcelona e então o que pensa a prefeitura ? “Vamos ter que realizar muitas obras!, Vamos ter que incomodar muitas pessoas! A cidade vai ficar de pernas pro ar!” “Então vamos procurar que as pessoas entendam o porque de tudo isso! E que procurem fazer algo voluntariamente por sua cidade, pois outros nos virão visitar!”.

E nesse momento nasce o slogan “Poñate Bonita!” (Ponha-se bonita!) pois as pessoa do mundo inteiro iriam olhar para cidade, sendo importante que tivéssemos nossos elementos recuperados.

A verdade é que, inicialmente, a campanha se chamava, e oficialmente ainda se chama, Campanha para a Proteção e Melhora da Paisagem Urbana, mas com esse nome não há como vender a idéia... ninguém que se entusiasma com esse nome tão grande “Campanha para a Proteção e Melhora da Paisagem Urbana”, que é [um nome] verdade, pois é para esse fim que servirá.

Portanto, quando houve um concurso de fotografias da cidade (que realizamos ao mesmo tempo [da campanha]) “Concurso de fotografias da cidade “negra””, esse concurso chamou-se “Barcelona Posa'te Guapa!” (“Barcelona Ponha-te Bela!”). Esse foi o slogan que elegemos para vender a proposta que a Prefeitura fazia à população naquele momento. Isto, por sua vez, se tornou parte de uma potente rede de comunicação que trabalhava com vários elementos importantes. A prova disto é a qualidade das intervenções realizadas.

Não poderíamos simplesmente pegar um edifico, deixá-lo como estava e simplesmente lavar sua fachada, sendo que era necessário realizar intervenções mais consistentes, algo que estivesse relacionado com a história dos edifícios e com a recuperação dessa história. Por isso, quando se faz uma campanha como essa os primeiros objetivos são: Montar um inventário do patrimônio, o que já havia sido feito em 1962, porém de maneira muito precária, contendo somente uma ficha de cada edifício, tem-se então de fazer um novo catalogo do patrimônio da cidade, com uma lista ordenada de proteção desse patrimônio, um plano de cores a serem utilizadas, que em Barcelona é um plano extraordinário, estando apenas atrás dos planos de cores das cidades de Turim e Marselha. Visita-se, então, 5 mil edifícios, colhendo mostras das fachadas dos mesmos e verificam-se as cores que esses edifícios tiveram ao longo dos anos e ai então se monta uma mostra de cores, para que assim, quando se complete o informe técnico do edifício, os arquitetos responsáveis possam melhor recomendar as cores a serem utilizadas em cada diferente edifício da cidade.

A seguir fizemos uma lei de regulamentação para a colocação de informes publicitários, entendendo que a publicidade naquele momento era um problema em Barcelona. Criamos uma lei que passava a proibir a colocação de informes publicitários de maneira desordenada. Em um primeiro momento foram desmontados cerca de 2 mil outdoors que estavam no centro da cidade, isso foi algo muito importante, pois as pessoas que desejassem colocar informes publicitários na cidade teriam que pagar para tanto, uma compensação pela privação do prazer da paisagem, uma “compensação paisagística”. Agora temos uma nova legislação de paisagem urbana que substitui à que mencionei anteriormente, e agora se prevê uma série de usos extraordinários que serão tolerados por um tempo, por exemplo. Enquanto era realizada a reforma de uma fachada de um prédio podia se colocar uma lona de cobertura para a proteção da obra, e ali sim era permitido que colocassem anúncios publicitários e, mesmo assim, a empresa publicitária paga uma quantia em dinheiro, não referente a um imposto, mas que era destinada a um fundo para a melhora de outros elementos da paisagem urbana.

Com o dinheiro desse fundo poderíamos arrumar um jardim, uma outra fachada, sempre sabido qual o destino desse dinheiro. As vezes a empresa que fazia a propaganda pagava diretamente sua parte na fatura total da obra para qual o fundo era destinado.

A publicidade, agora, é um elemento de extrema importância, um elemento de continuidade de uma campanha que se baseava, também, em outros elementos.

Claro, estamos falando de paisagem urbana, que é um setor novo, creio que são poucas as cidades que tenham um setor de sua administração destinado somente a esse assunto. Se não me engano Barcelona foi a primeira. A paisagem urbana é a questão na qual se apóia toda nossa gestão! Por paisagem urbana pode-se definir de muitas formas. Esta que está aqui propõe que paisagem urbana é o que se refere ao “meio-ambiente urbano”

O meio-ambiente foi um elemento importante na aprovação da normativa referente ao uso da paisagem urbana e da qualidade de vida. Essa normativa não está baseada nos elementos urbanos como o suporte de publicidade, mas sim está pensando que além do uso publicitário existem outros usos desses edifícios que merecem ser considerados. Outras definições podem ser pensadas, como a que tínhamos no inicio, que era a de ponto de encontro. A paisagem urbana é um ponto de encontro, a paisagem urbana é um valor coletivo do qual não se define propriedade. Não é importante na paisagem urbana de quem é uma casa, ou de quem é um elemento, mas sim o uso ao qual se dá a esse elemento. Se esse uso é coletivo, seja público ou privado, passa então a fazer parte da paisagem urbana e isso tem importância, porque isto justifica que a prefeitura estabeleça um programa de ajudas econômicas, técnicas e administrativas para as pessoas que fizerem isso em suas propriedades. Uma casa é de um senhor, mas o que acontece é que existe um aproveitamento coletivo das pessoas que passam por ela, e a vê em ordem e revitalizada. È isso que tem valor, isso justifica que a prefeitura realize tal esforço.

Existem, porém, outras justificativas. A partir do êxito de uma campanha como essa foram criadas mais de duas mil empresas dedicadas exclusivamente à revitalização de exteriores. Isso não existia anteriormente, ou seja, um novo setor de atividade na economia local, sendo um fator de extrema relevância e importância para a cidade, que foi o resultado da realização desse programa.

Nos apoiamos muito nos intelectuais. Pessoas que tinham inquietudes sobre a cidade, pessoas essas que escreviam artigos para periódicos e textos para as rádios. As pessoas falavam da necessidade de uma esperança. Isso também foi recuperado, uma vez que publicávamos memorandos explicando os resultados da campanha, e mais uma vez as pessoas passaram a escrever para nós. Em cada memorando que publicávamos existiam artigos de pessoas que foram importantes no processo de criação de uma opinião a favor do processo de recuperação.O filósofo Jeneotrias (sic) dizia que “Barcelona dormia em melancolia”.

Havia também um outro escritor que comparava Barcelona com o Titânic, o naufrágio do Titânic, Madrid não funcionava, Barcelona não funcionava, havia o empobrecimento da população, os problemas sociais, andares inteiros vazios em todos os edifícios e a propriedade privada, se não estava desabitada, estava desvalorizada.

Isso, vinte anos depois, parece mentira, não se diz que a região estivesse assim. Mas é verdade, estava assim e a ninguém preocupava que a cidade estivesse cinza e preta. Havia edifícios notáveis, como La Pedrera de Galdí, que foi um elemento muito importante para que a população acreditasse nessa campanha. Ela estava absolutamente negra e ninguém a via, as pessoas passavam em frente ao edifício e não nem reparavam. Então uma caixa de poupança decidiu revitalizá-la e limpá-la e tal fato agiu como uma locomotiva, pois as pessoas passaram a vê-la limpa, e perceberam que estava por demais suja, e assim não podiam admirá-la. Após essa limpeza e restauração acabou-se com o estigma de que o preto era “um sinal do tempo”, “Está negra porque é muito antiga....”. Foi exatamente o que aconteceu com a catedral de Notre D´ame, quando a limparam e a restauraram, a alguns franceses não agradou, pois o aspecto negro lhe dava a aparência de mais antiga e a partir do momento em que se conseguiu a textura original novamente, algumas pessoas ficaram desconcertadas e passaram a reparar que ao redor também existiam coisas muito sujas.

Esse foi o efeito contagioso para as pessoas de uma rua vissem que a casa ao lado estava limpa e não poderiam permitir que a sua continuasse suja, fosse por razão de orgulho social ou qualquer outro motivo.

Quando realizávamos obras havia sempre uma lona cobrindo a obra e com os seguintes dizeres “Aqui estamos fazendo mais bonita Barcelona”. E embaixo desses dizeres havia um numero de telefone, que era um telefone de agradecimento a quem ligasse, dando mensagens sobre a campanha. Essa foi uma propaganda, boa e muito barata pois não custou-nos quase nada e sem duvida [era] muito eficaz.

Outro problema que tínhamos e que agora já não temos em tão grande escala era a da publicidade nos comércios locais. Tínhamos muitos comércios que o que tinham em suas portas não eram identificações sobre o tipo de comércio que se realizava ali, mas sim eram propagandas, que ocupavam as fachadas anunciando os melhores tecidos, as melhores marcas de roupas, ou os bares e seus pratos. Frente a isso foi feita uma ação muito forte no centro e hoje em dia todas as publicidades estão integradas ao estilo arquitetônico dos prédios onde se localiza o estabelecimento anunciante. Foi estabelecido um padrão para anúncios nos comércios do centro, e para todos as casas que se regularizaram dentro do período limite que impusemos, as autuações foram suspensas como modo de incentivo e isso foi um elemento muito positivo, o qual só se percebe a mudança quando todos os anúncios irregulares e de grande porte se vão e deixam a paisagem da rua em questão mais amena.

Isso foi feito de comum acordo com todos os comerciantes e suas respectivas associações. Nós falamos com todos os envolvidos diretamente nas mudanças, ninguém foi deixado de fora do projeto, foi falado com todos antes de tomarmos qualquer atitude, ou iniciarmos qualquer programa. Isso foi feito com os comerciantes, e eles mesmos agora dizem que para suas lojas tem sido mais rentável ter um local arrumado, onde tudo esta em seu devido lugar, integrado com a luz tênue. Todo esse tipo de melhorias os ajuda a vender mais que um estabelecimento em desordem que tínhamos anteriormente.

Um bom exemplo é o próprio edifício da prefeitura, que estava “abandonado”. Então, a primeira coisa que foi feita foi arrumarço prédio da prefeitura, uma vez que não se poderia querer que a população fizesse algo que propúnhamos sem dar-lhes um exemplo.

Um aspecto importante deste dispositivo é que existem três tipos de ajuda: administrativas, econômicas e técnicas. As ajudas técnicas são a parte mais interessante desse projeto, porque não se tratava de dar suporte a uma obra sem realizar um plano de execução dessa obra, se tratava de prestar suporte a essa obra, reservando-nos o direito de retirar essa ajuda, se a obra não fosse realizada dentro dos devidos padrões de qualidade.

Então para estimular as pessoas a se envolver no projeto no início se faz um informe técnico. “Eu tenho um edifício e quero fazer uma obra nesse edifício, seja ela qual for, limpeza de fachada, reabilitação, etc..” Então é necessário que o proprietário desse edifico vá ao órgão publico responsável e solicite um informe técnico gratuito de como devia realizar-se a obra. Porém esse informe técnico não obriga o proprietário do edifício a nada. E esse informe é elaborado em no máximo 30 dias, por uma equipe técnica de arquitetos e engenheiros técnicos que tínhamos à disposição, cedidos pelas escolas técnicas de engenharia, arquitetura e jardinagem, em caráter de um projeto de cooperação anterior que tínhamos com eles. Esses técnicos se dedicavam a realizar os informes técnicos gratuitos, através de um telefone de solicitações.

Quando o informe estava pronto, a pessoa recebia uma carta do prefeito e um layout do que seria o resultado da obra, e estabelecia-se um prazo de 180 dias para a realização da mesma. Isso acabava por estimular as pessoas a tocar a obra em frente, por que até então não havia sido feito nada além de uma solicitação de informe técnico. Portanto assim estimulávamos a concretização da obra, e desta maneira uns cinqüenta por cento de todos os informes técnicos realizados se concretizaram.

Os informes técnicos diziam como a obra deveria ser realizada, permitindo ao proprietário do edifício pedir a realização de orçamentos a diferentes empresas de reformas, e assim que a obra se findava, a prefeitura era comunicada e o mesmo técnico que havia realizado o informe visitava a obra já terminada e avaliava o produto final, dizendo se havia sido bem ou mal realizada. A avaliação técnica dava pontos à obra, de acordo com quantos aspectos do informe técnico haviam sido seguidos. Quanto mais aspectos fossem seguidos, mais pontos eram dados a obra, e o número de pontos eram então multiplicados pela metragem da obra convertendo-se em uma quantidade de dinheiro que seria revertida ao imóvel através de suspensão do pagamento de impostos.

Não havia a necessidade da obra ser realizada de uma só vez. Podia realizar uma parte da obra e ao longo dos anos a outra parte e continuar acumulando pontos, sendo que a prefeitura podia “ajudar” com 10 % do valor final da obra.

A ajuda administrativa era realizada de duas maneiras, sendo a primeira, a informação, mostrando ao publico que a prefeitura lhes podia ajudar, e a segunda maneira era na questão da tramitação, fazendo com que houvesse um interlocutor único, para que não tivesse o munícipe que, para realizar sua obra, tenha que pedir uma autorização ao bairro, outra permissão ao órgão de urbanismo, pagar um imposto em outro ponto.

Toda essa burocracia tinha que ser eliminada, havendo a necessidade de termos uma interlocução única. O representante que estava em contato com os envolvidos nos projetos, resolvia todos os problemas burocráticos através de um envelope que todos os envolvidos tinham e toda gestão era feita pela própria prefeitura.

Isso foi muito importante para o individuo só, podendo fazê-lo individualmente através de um representante único junto ao governo.

As campanhas publicitárias são básicas para criar uma imagem para que logo pudéssemos vender a idéia do projeto, para que as empresas pudessem entrar na segunda fase do projeto. Quando o projeto é divulgado entre muitos cidadãos, tem inicio um caráter comum de cidade, e logo as empresas passam a ter interesse em colaborar no mesmo nível que os cidadãos, ademais, tínhamos naquele momento uma febre de patrocínios, dada a realização dos jogos olímpicos, mas como era muito caro ser patrocinador dos jogos olímpicos, havia uma possibilidade de colaborar com a cidade dos jogos olímpicos a um preço muito mais baixo.

O que começou sendo um escritório especial responsável pela paisagem urbana, acabou tornando-se parte integrante da prefeitura dentro do período de um ano, que logo se tornou uma agencia da paisagem urbana e atualmente é um instituto de paisagem urbana e qualidade de vida, tendo autonomia de gestão, que anteriormente não tinha, e todo esse esquema de trabalho se organizou burocraticamente e responde perfeitamente ao objetivo do projeto.

No que se refere à restauração das fachadas temos alguns aspectos que foram padronizados, tais como o tipo de persianas, a carpintaria e os metais externos de cada edifício. Além da substituição e unificação das antenas de televisão, pois nos edifícios, cada apartamento tinha sua antena própria. Fizemos um programa de unificação dessas antenas em uma única e que preferivelmente ficasse fora do alcance da vista das pessoas nas ruas.

Haviam prédios catalogados repletos de antenas e para esse problema realizamos a campanha denominada “Peinate Guapa!” (Penteie-se Bonita!).

Os aparelhos de ar-condicionado também representavam um problema, já que tínhamos muitos prédios, construídos anteriormente à normativa que obrigava aos prédios que tivessem seu sistema de ar-condicionado integrado, que tinha vários aparelhos de ar-condicionado aparentes na fachada e para isso fizemos esforços importantes e que tiveram resultados extraordinários visualmente, edifícios incorporaram seu sistema de ar-condicionado em seu telhado, sem estarem aparentes, tirando todos os elementos do exterior dos edifícios.

Haviam muitos edifícios com vitrais artísticos em suas fachadas, porém ao longo dos anos a arte de vidreiro foi se perdendo. Então criamos um centro de vidros, onde artesãos aprendiam o ofício de vidreiro artístico e as pessoas que tinham vitrais artísticos em suas propriedades e tinham problemas com sua restauração podiam contratá-los para resolver essa questão.

Tínhamos muitos espaços abertos na cidade, de uso privado, espaços que mesmo particular colaboravam na oxigenação da cidade e tinham grande importância na paisagem da cidade. Sendo privados, a prefeitura entendia também que poderia contribuir, mesmo que de forma muito limitada para a conservação de sua jardinagem, para que esses espaços se tornassem mais atrativos do ponto de vista da paisagem urbana.

A supressão das chamadas barreiras arquitetônicas, também foi um ponto importante, tanto nos edifícios públicos quanto nos edifício privados, com a instalação de rampas de acesso e elevadores , nos prédios desprovidos desses aparatos, facilitando o acesso das pessoas com cadeiras de rodas ou carrinhos de bebês, que anteriormente não podiam adentrar a esses espaços sem algum esforço. Frente a isso Buscamos soluções, às vezes tivemos que tomar medidas externas aos edifícios. Tivemos ainda a substituição dos reservatórios de água elevados, situados em cima dos edifícios, por sistemas canalizados diretos de água corrente com a cooperação das companhias de abastecimento de água interessadas, melhorando também as condições de higiene nos edifícios.

Após os jogos olímpicos a prefeitura decidiu que a campanha tinha chegado ao seu final, e nesse momento todos os meios de comunicação, tanto a imprensa quanto os interesses criados em torno do projeto se rebelaram e criam uma manifestação. Em 1993 a campanha fica inativa, mas devido às grandes manifestações em 94 se retomam as atividades, agora sim como uma agência, com muito mais potência que antes.

Ao mesmo tempo em que estávamos fazendo a campanha de uma maneira geral, havia campanhas pontuais. Em Barcelona há um grande numero de obras romanas, muralhas, torres, casas, o museu da cidade tem uma cidade romana enterrada em baixo da cidade medieval, então para conseguir levantarmos patrocínio Buscamos fazer uma campanha “Barcelona FACTE BELUM ”, brincando com o latim, Buscamos também lingüistas para termos certeza de que escreveríamos em latim de maneira correta, e conseguimos muito êxito, muitas empresas se envolveram e patrocinaram recuperações de elementos da época romana.

Tivemos também o projeto “Barcelona en Flor”, pois recebíamos muitas mensagens de pessoas que queriam cooperar com a revitalização da cidade mas não tinham condições financeiras. Então dissemos às pessoas que não podiam reformar suas fachadas que pusessem flores nas suas varandas, e firmamos um acordo com todas as floriculturas de Barcelona, com todos os produtores de “maresma” que então fizeram os kits “de sol y de sombra” que eram dados à população de alguns bairros ou que eram vendidas a um preço muito baixo em outras, já que haviam patrocinadores por trás e haviam emissoras de rádio que passeavam com carros de som pelos bairros dando a notícia de que estavam sendo distribuídos esses kits e as pessoas saiam feito loucas atrás de seus “Kits de Sombra ou de Sol” com cinco plantas e com todas as instruções de como colocá-las e mantê-las, mas isso nos causou problemas, já que se vão colocar plantas nas varandas, significa que os balcões terão de estar restaurados, pois o peso das plantas mais a forca da água poderia causar problemas estruturais nas varandas. Porém, isso foi resolvido e acabou por ser um êxito da participação para população.

Voltando um pouco, temos o programa conhecido como “Guapos para Siempre” (“Bonitos para Sempre”) que nasceu de uma dificuldade, a lei de instalação de informes publicitários que obrigava os comerciantes a desmontar todos os elementos de seus comércios que não eram de identificação e que estavam fora dos padrões arquitetônicos.

Isso significava que havia comércios muito antigos com mais de cem anos que tinham elementos de valor histórico, mas que estavam fora das normas atuais, não estando reconhecidos e por isso teriam de ser desmontados.

Então estabelecemos um programa especial, pelo qual se eximiam esses estabelecimentos específicos dessa obrigação, e também se fossem capazes de conservar esses elementos, esses comércios eram presenteados com uma placa no solo, desenhada por um magnífico artista, e assim a sociedade reconhecia esse estabelecimento e seu esforço de tê-la mantido assim por tanto tempo com essas condições estéticas.

“Guapos para Siempre” foi um programa muito bonito que até as revistas publicavam a cada semana uma historia de um estabelecimento agraciado, a historia da família proprietária do local, o que era vendido no local, como havia sido criada. Criamos também um programa chamado “Rutas de Paisajem” (Rotas de Paisagem) que era uma rota, passando pelos edifícios modernistas, e outra de edifícios góticos, pelas quais as pessoas, os turistas e os cidadãos, fundamentalmente os cidadãos, podem reconhecer esses elementos, com a ajuda de placas no solo e que lhes dizem o quanto já caminharam pela cidade, o que, além de cultural tem um caráter esportivo, pois as pessoas que a completam sabem que caminharam seis quilômetros. Em cada edifício existe um guia que explica as características desses edifícios, e nos edifícios que são particulares existe um dia na semana em que é permitida a visitação das pessoas que compram o ticket das “Rutas”. Esse foi um projeto de muita potência, pois estamos falando de Art Noveau, (o modernismo a que me refiro é a Art Noveau, diferentemente do conceito de modernismo que há aqui no Brasil), e em Barcelona o modernismo Art Noveau é um movimento de muita expressão, com Galdí entre outros.

A beleza dos edifícios, foi um tema controvertido entre os diversos arquitetos do projeto, claro que a nós também preocupa a beleza dos edifícios, mas a segurança das pessoas que a eles freqüentavam era algo muito mais importante. Durante todo o projeto cinco pessoas vieram a falecer por causa de pedras que caíram dos edifícios. Isso foi algo dramático mas que de alguma maneira acabou mostrando para a população, e as fazendo entender, que a restauração dos edifícios não se tratava somente de aspectos estéticos, mas também de aspectos de segurança.

É exatamente ai que o governo municipal se conecta com o governo do estado e põem recursos nos edifícios que estão em pior situação de segurança, para que recebam atenções especiais e para que se possa mais rapidamente arrumar esses pontos de risco. Nesses pontos de risco se faz uma inspeção dos edifícios, para identificar quais são os principais pontos de risco e desde oito anos pra cá não tivemos mais nenhum acidente.

O problema foi que em um par de anos, dadas condições de chuvas e ventos, houve desprendimentos de elementos de alguns prédios que vieram a causar a morte de cinco pessoas na cidade, estando entre as vitimas duas crianças e alguns idosos. Isso foi o que deu origem à outra parte da campanha que agora é permanente e se chama “Barcelona Guapa y Segura” (Barcelona Bela e Segura).

Quanto à questão do patrocínio temos que, quando temos milhares de cidadãos envolvidos nos projetos e acreditando nele e querendo um esforço para poder realizá-lo, cria-se um argumento para as empresas poderem situar-se no mesmo nível para demonstrar a seus consumidores que ela também é sensível à cidade e também é capaz de fazer coisas pela cidade.

Um grande exemplo de patrocínio, que não se trata somente de patrocínio, foi o realizado pela Coca-Cola com o Palácio Del Mar, que estava em ruínas na região portuária e que foi reabilitado totalmente e durante esse processo foi colocado uma lona de proteção no edifício desenhada por Mariscal, o mesmo desenhista dos jogos olímpicos no qual havia somente uma referência mínima à Coca-Cola e que fundamentalmente era uma referência artística. A Coca-Cola também fez parques infantis, em cada bairro foi o patrocinador da instalação de parques de jogos infantis.

Outro elemento interessante é durante a revitalização de alguns edifícios e a pedido do proprietário, as lonas de proteção tem como estampa a própria imagem do edifício. Por exemplo, a Catedral está oculta por uma lona, e esta lona reproduz a fachada da própria Catedral, mas também tem uma propaganda de uma empresa, que está pagando, através da imagem que recebe em contrapartida, pela continuidade das obras da Catedral que é muito cara.

Existem duas torres que estavam com suas estruturas ferrosas todas corroídas e era visível a necessidade de restauração, e essa restauração foi realizada pela Nike, uma vez que assim como a Adidas teve grande influencia na restauração de elementos de Paris e a Nike ficou de fora, e em Barcelona a Nike resolveu ajudar, colocando em uma das torres a imagem de Ronaldo e na outra colocou um jogador do Barcelona.

No final os patrocínios acabaram perdendo sua característica de patrocínio puramente dito, uma vez que era cada vez mais difícil encontrar empresas que queriam somente colaborar com a campanha, mas sim queriam poder utilizar-se da forte publicidade que a campanha lhes oferecia. Chegamos a um ponto em que a generosidade das empresas já estava um pouco diluída.

O que ganham os patrocinadores? Ganham notoriedade, divulgação. Então as imagens não são coisa para serem colocadas em escritórios, mas sim em barcos, aviões, no metrô, em cima de uma fonte. Tínhamos espaços gratuitos na imprensa, onde colocávamos agradecimentos públicos aos colaboradores da campanha, ou seja, publicávamos algo do tipo; “Gracias a Pirelli”, “Gracias a Coca-Cola”, “Gracias a Ford”, a quem fosse. Destacando sempre a importância da restauração desses edifícios, para que as pessoas entendessem a importância que esses elementos representam para a cidade.

As campanhas publicitárias foram feitas com personalidades e personagens muito conhecidos e prestigiadas, que diziam nos anúncios que valia a pena fazer algo do tipo pela cidade. Um exemplo foi o de Tapias (sic), que é um pintor de máxima qualidade, que dizia que atrás das lonas havia “arte” e que tinha que ser recuperada. Nós buscávamos a notoriedade dessas personalidades para que as pessoas se animassem a recuperar um edifício um pouco sujo. Fizemos isso também com os próprios cidadãos que tinham realizado reformas em suas propriedades. Eles mesmos saiam nos anúncios. Nos jogos de futebol, do Barcelona, eram postas propagandas do projeto e propagandas grátis já que o estádio não nos cobrava nada.

Um aspecto importante dessa campanha é que todas as decisões políticas foram aprovadas por unanimidade. È muito importante que tudo que se faça a esse respeito seja feito por unanimidade de todas as partes componentes do governo e não só pela maioria. Isso foi muito importante pois a campanha passou a ser entendida como uma campanha pela cidade e não por um mérito político. O que no caso de uma troca dos dirigentes políticos, asseguraria a continuidade do projeto. O projeto todo teve sua parte mais importante na construção de uma cultura de manutenção dos edifícios e patrimônios da cidade pela população.

PERGUNTAS:

•  Existia contaminação do ar em Barcelona.?

R : “Existia e ainda existe contaminação ainda. Por isso esses programas são orientados também para que os veículos contaminem menos, para que as chaminés de calefação contaminem menos, estamos falando de um conceito de paisagem urbana que engloba o meio-ambiente e não somente de elementos físicos. Estamos falando dos ruídos, das barreiras arquitetônicas e também da contaminação acústica e de materiais contaminadores também. Esses são pequenos passos nessa direção que temos em um projeto desse tipo.”

•  São Paulo se vende muito mal. Existem muitas obras arquitetônicas que não estão em nenhum guia de São Paulo e que isso é parecido com o que aconteceu em Barcelona. A população não sabia a riqueza que tinha! Se pudesse falar um pouco sobre isso, nos interessaríamos muito.

R : Sim, isso foi o que mais me causou estranheza quando vim à São Paulo. Eu fui a um grande núcleo de Barcelona, e olhei em todos os prospectos que havia sobre o Brasil e de todos guias só havia um capitulo de São Paulo e faltava muito mais. E estes guias diziam o que havia para se ver e fazer em São Paulo e havia restaurantes, discotecas, mas com relação ao patrimônio de São Paulo não havia nada, não explicavam coisas de São Paulo. No hotel não encontrei um plano da cidade, só havia uma espécie de caderno com muita propaganda e depois de todas as propagandas apareceu-me o que era dito sobre São Paulo, falava de algumas coisas, alguns parques, mas também não mencionava nada sobre o patrimônio importantíssimo que há em São Paulo. Creio que não há consciência sobre a importância, que para muitos têm poder recuperar aqui conhecimentos que já existem de outros lugares. Conhecer em São Paulo tendências arquitetônicas que se tenham desenvolvido. Existem exemplos impressionantes do século XX, a partir de 1920, aqui em São Paulo. Isso não está em destaque e ontem eu fiz um pequeno tour, graças a amabilidade da Prefeitura e fomos visitar edifícios que me deixaram impressionado. Os interiores de edifícios que não são visitados e que tive o privilégio de poder adentrar. Mas quem vem a São Paulo tem que entender a cidade, como a cidade se gerou, onde nasce a cidade e entendendo a cidade pode então andar por ela, caso contrario se torna impossível, fica desorientado, pois quando chegas a São Paulo e vê esse “monstro” de cidade e perguntas: “Aonde ir? O que fazer?” e um taxista o levará e um bom restaurante, mas não à um monumento, um edifício. Isso em Barcelona, a uns vinte anos atrás, com exceção dos arquitetos que, naturalmente, conheciam a cidade, era curioso por que as todas as casas importantes e catalogadas tem um nome. Só os arquitetos sabiam, eu só vim a ter esse conhecimento quando passei a trabalhar no projeto, e é apaixonante saber que tal casa chama-se Casa Medier, que havia um senhor ali que fabricava chocolates, ou que o outro veio de Cuba e com o dinheiro montou a casa e todas as histórias... as pessoas vivem de histórias. Todas essas histórias dessas casas junto com seu valor patrimonial e sua localização em um local determinado eu creio que tem um valor cada vez maior para as pessoas que fazem turismo, para um determinado tipo de turista. Há também os turistas de negócios, mas que também pouco tempo têm de fazer tours, mas eu creio que seria muito interessante, a mim agradaria, chegar aqui e encontrar um prospecto que me explicasse isso que me foi explicado privadamente como um privilégio que agradeço.

Mas se venho eu, sem este apoio que tive não teria a oportunidade de ver o que vi. E gente com Narcis Serra i Serra, foi embora sem saber disso. E me comentaram comigo, Sanchez que me disse “Não deixe de ver isso ....”, e gente que veio aqui quatro ou cinco vezes está pensando que São Paulo é um aglomerado de casas e só. Não se pode dizer também que tem as maiores obras da arquitetura mundial, mas tem sim uma série de elementos que ainda estão ocultos na cidade e isso, creio eu, se deve ao pouco reconhecimento que a sociedade tem sobre o valor desses elementos; os de fora irão reconhecer e quando isso ocorrer, aí sim a sociedade interna irá, também reconhecer esse valor, mas acredito que ainda faltam muitos Rauls que os levassem a conhecer a cidade. Eu visitei ontem a estação, que é uma vitória não? Mesmo ainda sendo uma região muito pobre e muito marginalizada apesar de encontrar-se lá a estação de trem a e pinacoteca. Enfim é apaixonante, eu creio que como cidade, é apaixonante alem do mais por ser uma das maiores cidades do mundo, todo mundo fala de Nova York, São Paulo, Rio, Buenos Aires. É uma referência contínua, então a essa referência só falta um adorno, a história e que tenha algum elemento para que as pessoas à identifique com imagem e ícone. Ontem vi o edifício de Niemeyer que faz a curva [ED. Copam] do qual uma parte está vazia, sem ocupantes e é impressionante esse edifício tendo sido fotografado do alto por helicópteros muitas vezes, e me parece importantíssimo ter algo desse tipo no local. Então o que falta é que São Paulo tenha essa imagem, esse ou qualquer outra do mesmo modo como temos a Pedreira de Gaudí, e em todas as publicações oficiais sae a Pedreira de Gaudí, ou a Sagrada Família, Gaudí é o ícone, tem-se que ter um pouco disso. Aqui temos uma escultura de Niemeyer de quarenta, cinqüenta anos de trabalho de distintas épocas, distintas fases que poderiam estar relacionadas com uma rota artística. Idéias existem muitas, o problema é que essas idéias só funcionam se podemos torná-las realidade, pois ter idéias todos têm. Quando começamos o projeto, o que fizemos foi tentar copiar. O que fizemos foi enviar cartas pedindo a todas as cidades importantes do mundo, me refiro a volume de população, o que tinham feito com relação à questão da paisagem urbana. Recebemos coisas interessantes que fomos copiando, mas nenhuma de maneira total se parecia com esta.

Por exemplo, Glasgow, no final dos anos 70, fez uma campanha e recuperam uma cidade que estava negra e terrível como estava Barcelona. O argumento de Glasgow era Macintosh um arquiteto incrível, a referencia de Glasgow é Macintosh. Macintosh é uma referencia mundial no campo da arquitetura e Glasgow assim o fez. Vimos o exemplo de Viena que realizou o programa “Bin Neu!” (Seja Nova!) existe uma grande quantidade de exemplos que ocorreram pelo mundo que não servem para nada, do ponto de vista de aplicação direta, mas que de todas as maneira ainda são idéias. Como eu disse anteriormente, a imaginação faz idéias, mas que só tem valor se existe alguém para executá-las, e executá-las é muito complicado desde a administração publica até a administração privada. Eu creio que tem de haver o apoio de toda a população, tem-se de conseguir o apoio de toda a população, caso contrário toda e qualquer iniciativa tem pouco futuro.

 

•  Há uma grande diferença cultural entre Europa e América. Historicamente a Europa “preserva”, os europeus tem um perfil cultural diferente dos americanos, os países americanos parecem querer derrubar o “velho para erguer o novo”, e isso está relacionado com a preservação. Como você vê isso, e como compara os exemplos europeus com os exemplos americanos? E como lidou a cidade de Barcelona com o problema dos pixadores, que alem de uma questão de preservação é uma questão social?

R : É evidente que na Europa, com cidades de 2 mil anos de historia é importante realizarmos um trabalho de preservação do que já existe. Mas não se pode, em um projeto como esse pôr a atenção somente na preservação mas também na inovação, temos que saber dar o mesmo valor, tanto a um edifício catalogado como também a um outro espaço ou um outro edifício novo que tem de ser capaz de cumprir sua função na cidade, então o esforço importante que se faz para que um edifício catalogado seja reabilitado de acordo com seu projeto original, seja acompanhado pela idéia de dar uma forca a todos aqueles que possam fazer com que a cidade tenha novas propostas. Barcelona se caracteriza não só por manter algo já existente, mas também por uma nova série de extensões da cidade e de sua abertura ao marçonde não temos mais elementos catalogados, mas sim novos espaços pensados para os cidadãos. Não tentamos nesse caso recuperar linhas patrimoniais, se trata de criar novos elementos que façam com que se reconheça sua originalidade e veracidade no futuro.

A respeito dos pixadores, esse é um tema dramático que aqui eu tenho visto cada vez mais em andares mais altos, que é uma marca das tribos urbanas. Isso é um tema de um projeto de limpeza, não tendo estado nunca dentro de nossa campanha de paisagem urbana, uma vez que essa é uma atribuição do departamento de manutenção e serviços. O que nós fizemos foi propor aos proprietários que, tão logo essas pixações aparecessem, os mesmos as limpassem, o que funcionou muito bem. A universidade estava repleta de pixações e quando chegamos a um acordo com eles, sobre esse tema que não é de nossa alçada, para que tivessem um contrato com uma empresa de limpeza que lhes propunham um preço especial e que lhes limpavam as pixações ao mesmo tempo em que elas apareciam, por volta de dois meses essas pixações deixaram de reaparecer, não havendo mais pixações na universidade. Mas o problema é que o território urbano é muito grande. Agora em Barcelona, existem 4 equipes cada um com 13 caminhões que continuamente estão acabando com as pixações, fundamentalmente nos locais onde elas são mais freqüentes. Foram tentadas outras formas de eliminarmos esse problema, como dar aos pixadores espaços determinados para que pintem, ou seja, no dissemos “Está vendo essa parede? Pois então aqui você pode pintar!”. Mas acontece que são gerações e gerações de pixadores, uma segue substituindo a outra que segue fazendo o mesmo e pior, por que a principio, essas pixações têm seu valor. um valor até artístico, mas pouco a pouco se converteram em marcas de tribos e por onde essas tribos passam deixam sua marca. Uma solução encontrada foi a utilização de tintas anti-grafiti. Um edifício, uma vez reabilitado se utiliza dessa proteção anti-grafiti, que a principio eram horríveis pois parecia que havia uma lâmina de plástico, mas que agora melhoraram muito de qualidade. E essa proteção anti-grafiti tem um valor que a prefeitura reconhece e por essa proteção adicional nós aumentamos as isenções fiscais ao edifício, já que uma vez que aparecem pixações, essas são facilmente retiradas, pois pode-se retirar a pixação com um pano. O problema das pixações é um “câncer” difícil de se eliminar

•  Qual é na sua opinião o elemento integrador, que faz com que uma campanha como essa de Barcelona permeie pelas diversos agentes e instancias de produção e de construção da cidade?

R : Este foi o principal problema que enfrentamos, e é o principal problema que enfrenta qualquer administração que queira edificar alguma coisa sobre algo já construído. Existem alguns departamentos independentes que se ocupam somente de suas atribuições e responsabilidades melhor ou pior. Mas, é claro, nos encontramos a solução por outro modo que já explicarei como foi resolvido, mas inicialmente não houve conflitos porque nós ocupávamos um espaço que ninguém mais ocupava. O espaço da colaboração pública ou privada não estava ocupado, e era um espaço que dava força ao projeto, politicamente para que o Prefeito desse suporte em situações de conflito.

Mas evidentemente esse é um elemento que está baseado na comunicação e que está continuamente nos meios de comunicação, com o apoio da imprensa e das forcas vivas que representam algo na cidade. Nos estabelecemos que, o que era de incumbência do setor publico, deve ser realizado pelas pessoas que já o fazem, e veríamos se esses o faziam melhor ou pior de acordo com o andamento do projeto e isso ficará evidente, já que todo o projeto caminha em uma única direção. Já no que diz respeito à colaboração pública privada, era nossa atribuição que era o espaço que não havia ninguém e isso é o que nós estávamos fazendo. No fim os conflitos sempre existem, é uma fonte de trabalho que ajuda no avanço do trabalho. Então ocorre que no final tivemos que aprovar uma normativa de Usos da Paisagem Urbana e Qualidade de Vida, que previa a criação de uma comissão mista de paisagem urbana, na qual estão representados todos os elementos que contribuem para a melhoria da paisagem urbana, reunindo-se uma vez ao mês. Todos os projetos públicos atualmente estão sendo submetidos a um informe de impacto paisagístico, portanto qualquer projeto que se faça tem de levar em conta os aspectos da paisagem antes de iniciar-se. Isso é um elemento importante, que exige uma dotação técnica, também importante do órgão gestor. Mas isso só pode se tornar realidade ao passo que se tenha a gestão de alguém que conheça profundamente a administração e que irá ter um papel importante de relações publicas, fazendo com que a população desempenhe um papel de protagonista e que os valores importantes seja disseminado de dentro pra fora, que se inicie com as próprias pessoas que trabalhem na administração.

 

•  Seu instituto tem feito algum acompanhamento do mercado imobiliário de Barcelona, e se existe algum dado numérico sobre o desenvolvimento desse mercado?

R : Sim, devido a reabilitação das fachadas dos edifícios o mercado imobiliário reagiu de maneira positiva aumentando os preços dos imóveis. Uma vez que há uma melhor qualidade da oferta o preço também é maior. Mas o que nós tratamos nesse projeto não é o setor imobiliário, que compra um edifício, desaloja seus moradores, o reforma e o revende cinco vezes mais caro, mas sim um projeto feito por e para as pessoas que vivem em determinado local e para que possam continuar vivendo ali em melhores condições porém isso não gera especulação imobiliária.


 

 

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