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Paisagem Urbana

A RECUPERAÇÃO DA ORLA MARÍTIMA
David Mackay

Aspectos Gerais

Depois que Barcelona recebera a honra e a responsabilidade de organizar os Jogos Olímpicos, em 17 de outubro de 1986, foi criada a empresa gestora do projeto, a Sociedade Municipal Privada Vila Olímpica SA (VOSA).
Graças à dedicação pessoal de sua advogada Rosa Fornas, a Sociedade VOSA comprou os todos os terrenos necessários e fez acordos com os antigos proprietários, utilizando, como ponto de partida, os valores dos terrenos declarados ao governo. Para evitar a especulação imobiliária, a VOSA advertiu os proprietários sobre a possibilidade de entrar com processos de expropriação caso as exigências deles fossem excessivas. Tal medida assegurou à administração pública um controle total sobre os imóveis.
Durante o ano de 1988 efetuou-se a nova definição legal dos terrenos para a construção (definindo-se regulamentos específicos para isso) e também para o espaço público.

O processo do desenho

A primeira fase do trabalho foi relativa ao desenho e à aprovação legal das mudanças no plano urbano. Os croquis foram desenhados à mão por uma equipe de dez arquitetos, durante os seis meses anteriores à sua apresentação, e ainda foi produzida uma maquete de escala 1:1000. O plano-projeto, aprovado primeiro pela prefeitura e depois pelo Governo estadual, também deveria incluir um novo sistema de drenagem para a cidade.
Entre 1988 e 1989 foram introduzidas importantes modificações no plano-projeto para que fosse incluída a soterrada Ronda do Litoral, do Porto Olímpico, além da localização das torres e dos edifícios adjacentes ao mar, de acordo com as autoridades costeiras e com o intuito de conseguir a máxima extensão de terrenos edificáveis pelo Plano Geral Metropolitano.
Várias equipes de arquitetos independentes, convidados por MBM, elaboraram um estudo crítico de escala 1:500 para a disposição da “vila”, que foi incorporado ao processo da planta.
Com a introdução de um “projeto” com três níveis – objetivos políticos do planejamento, a forma da cidade com o plano-projeto urbano e o projeto arquitetônico dos edifícios – era necessário expandir a colaboração com outros arquitetos para o desenho dos edifícios. O objetivo era evitar que um único escritório de arquitetura impusesse um estilo dominante ou uma diversidade incoerente de formas. Tratava-se de evitar tanto a arquitetura dos “polígonos” do pós Segunda Guerra como também uma “cidade temática”.
Os arquitetos foram nomeados pela administração pública (através da VOSA, mas sob atenta supervisão do prefeito Pasqual Maragall) seguindo a proposta da MBM, segundo a qual diferentes arquitetos projetariam os edifícios da Vila Olímpica até que estivessem em condições de obter o alvará de construção e um relatório favorável do diretor de arquitetura da VOSA confirmando o cumprimento das exigências olímpicas. O passo seguinte era a oferta dos projetos a empreiteiros privados, que se comprometeram em manter os contratos com os arquitetos para finalizar a tramitação das licenças e a produção dos planos de construção e outros documentos, segundo a previsão de custos e de vendas no mercado depois dos Jogos Olímpicos. Em outras palavras, o setor público deveria assegurar a qualidade da arquitetura e o setor privado, a viabilidade comercial.
Foi uma tarefa difícil decidir, sem realizar um concurso devido à falta de tempo hábil, quais seriam os arquitetos que projetariam as casas. Depois de examinar as diversas possibilidades, o prefeito aprovou a proposta de convidar todos os profissionais laureados com o prêmio FAD, outorgado anualmente desde 1958 pelo "Foment de les Arts Decoratives". Assim, qualquer arquiteto com mais de um prêmio poderia receber um cargo. Este sistema de seleção trouxe uma grande vantagem: os cerca de 30 participantes representavam diversas gerações de arquitetos, alguns próximos dos 70 anos e outros beirando os 30, o que evitava uma arquitetura marcada por uma única tendência.
Tanto a imprensa, quanto o público e os profissionais envolvidos aprovaram a escolha. A próxima fase foi designar os edifícios para cada equipe. Decidiu-se que a “vila” seria dividida seguindo critérios lógicos e em acordo com o plano urbano, e não por quantidade igual de terreno por cada arquiteto. Essa prática, além de evitar edifícios separados, poderia priorizar a homogeneidade da rua. Os arquitetos precisaram descobrir um modo de fazer as esquinas e conseguir uma mínima coerência arquitetônica com seus vizinhos do mesmo lado da rua. Também foi preciso organizar reuniões com os arquitetos que construíam edifícios do outro lado da rua.

O Desenvolvimento do Projeto: o núcleo urbano ou a “vila”.

A principal dificuldade do projeto era aceitar a tensão entre o objetivo de dar ao bairro uma característica coerente, que criasse um sentimento de lugar, e a necessidade de se permitir o mesmo grau de diversidade arquitetônica que se encontra na cidade em geral, como resultado da justaposição de diferentes arquiteturas construídas em épocas diferentes.
Buscou-se o caráter de bairro por meio de um desenho do espaço público e da obrigação de se manter uma contínua fachada, com edifícios de seis ou sete andares e a mesma altura das calhas em relação ao nível do mar. O uso de tijolos (de qualquer cor) nas fachadas que davam para a rua também foi uma maneira encontrada para criar uma imagem “familiar”, por tratar-se do material de construção mais comum em muitas partes da Espanha.
O terceiro setor era formado por terrenos não adquiridos pelo poder público, mas o desenho urbano já havia sido determinado pelos autores (MBM) no plano-projeto de 1986. Conhecidos como os “Jardins de Can Torres”, os edifícios deveriam alojar os árbitros olímpicos e sua equipe de apoio. As construções eram parte de uma estratégia para evitar a criação de uma barreira física ao redor da Vila Olímpica. Elas adentravam na zona semi-industrial de Poblenou com a finalidade de favorecer sua futura reconstrução para usos diversos, incluindo lofts e casas.
Ainda que o objetivo principal de todo o processo de desenho arquitetônico da Vila Olímpica e das moradias fosse para depois dos Jogos, os requisitos olímpicos deveriam ser satisfeitos. Esta exigência teve resultados positivos, já que melhorou a qualidade dos edifícios. Por exemplo, as dimensões dos dormitórios tinham de ser maiores que as habitualmente ofertadas pelo mercado. Das 15.000 camas oferecidas, 20% deveriam acomodar esportistas com altura superior a dois metros.
Esta necessidade coincidia com a mudança na estrutura tradicional das casas para permitir estilos de vida diferentes e mais complexos. Hoje em dia, os quartos não servem unicamente para dormir, mas também para estudar, ouvir música, assistir televisão, usar o computador, estar com os amigos ou trabalhar dentro de casa. As moradias já não podem ter funções específicas, assim como ocorre com o espaço urbano.
Outra exigência do Comitê Olímpico era que cada alojamento tivesse dois banheiros para que os atletas, que se alojariam em grupos de 6 a 8 em média, pudessem utilizá-los simultaneamente. O Comitê também exigia que o andar térreo fosse espaçoso para abrigar o material esportivo e a direção das equipes. Isto significava deixar os apartamentos térreos para serem concluídos depois dos Jogos ou oferecer espaços maiores que a seção transversal dos alojamentos. Esta segunda opção culminou em espaços comerciais com dimensões que se tornaram um empecilho na hora de encontrar clientes depois dos Jogos.

Custos

O custo de se ter tantos projetos arquitetônicos diferentes foi compensado pela coordenação do suprimento de insumos para todos os alojamentos. Se o fato de contar com vinte ou mais arquitetos para projetar diferentes grupos de alojamentos era uma vantagem para oferecer diversas opções de residências para os futuros moradores e assegurar uma composição heterogênea da comunidade, também representava uma tarefa mais complexa para os construtores, que deveriam manter os custos de construção nos níveis do mercado. Para minorar o problema, a NISA (Nova Icària Societat Anònima), uma companhia de capital privado mas com 40 % de participação da empresa pública VOSA, estabeleceu uma demanda prévia de materiais e de elementos padrão para todos os arquitetos.
Isto implicava, por exemplo, na decisão prévia do tipo de tijolo que seria utilizado para garantir que vários fornos dessem conta do suprimento necessário. Posteriormente, deveriam chegar a um acordo sobre o desenho comum e o suprimento de acessórios para cozinhas, banheiros e calefação. Também decidiu-se utilizar PVC em todas as janelas e persianas, por sua elevada capacidade isolante e por sua alta conservação e fácil manutenção em uma área tão perto do mar. Dada as características das construções mediterrâneas, que utilizam materiais pouco inflamáveis, os riscos de contaminação por fogo e de não poder abrir as janelas em caso de incêndio foram considerados insignificantes em comparação às vantagens e ao baixo custo do PVC.
A parceria com o setor privado foi estabelecida para financiar a construção das residências. Enquanto os desenhos das residências tornavam-se os projetos arquitetônicos preliminares para serem aprovados nos diversos departamentos da administração municipal, a Busca por empreiteiros foi intensificada.
Inicialmente foram contatados os incorporadores imobiliários, mas, com o custo excessivo das propostas, essa opção foi descartada. As empresas temiam os riscos de colocar no mercado 2.000 casas ao mesmo tempo, em uma cidade que negocia este mesmo número por ano entre todos os incorporadores.
Estas controvérsias retardaram o financiamento dos projetos arquitetônicos definitivos para o pagamento das licenças, assim como a escolha dos arquitetos para os planos de construções. A VOSA chegou a um acordo para formar consórcios temporários com os construtores e incorporadores locais: Nova Icària SA (NISA) assumiu 80% da construção e a Olímpic Moll SA assumiu os 20% restantes.
NISA era, então, uma sociedade de capital misto (público e privado), como uma joint venture na qual o setor público contava com a iniciativa privada. A VOSA - que havia conseguido, com o apoio da prefeitura, adquirir as casas para o conjunto da operação e que estava investindo na nova infraestrutura das ruas, parques e dos serviços - vendeu as casas ao novo consórcio ao mesmo tempo em que comprava dele 40% das ações. Para assegurar o controle público na entrega para os Jogos Olímpicos, o Governo Espanhol adquiriu 11% das ações, por meio do Banco Exterior de Espanha. Assim, 51% das ações ofereciam um seguro executivo no caso do setor privado falhar na hora da entrega pontual do produto

Epílogo: Uma Experiência Breve e Informações Pessoais

O autor dessas linhas se mudou para a Vila Olímpica no verão de 1994. Em um bairro com sua própria identidade, os primeiros moradores estavam mudando os laços de amizade com os companheiros desta aventura urbana para a consolidação de relações sociais mais complexas.
Entre os novos moradores, a opinião geral, em fevereiro de 1999, é a contundente impressão de uma qualidade de vida muito superior à do resto da cidade, em especial a quantidade de luz natural e a amplitude dos espaços públicos nas ruas e nos parques. Isto acaba por compensar alguns problemas relativos à baixa qualidade dos acabamentos e a alguns problemas com infiltração. O centro desportivo, a paróquia, as escolas, o posto de saúde e os cafés têm estimulado as atividades espontâneas da comunidade, que também conta com uma escola para velejadores. A “invasão” de 12 milhões de turistas ao ano e os acontecimentos desportivos metropolitano nas ruas eliminaram qualquer sensação de bairro “isolado”.
As comunidades de 12 apartamentos (responsáveis pela manutenção interna), as comunidades das superquadras de 200 apartamentos (que compartilham um jardim particular, garagem e manutenção externa do conjunto dos edifícios) e a grande comunidade de aproximadamente 2.000 residências do conjunto da Vila Olímpica (responsável pela política global de segurança e pela propriedade de uma televisão local via cabo) tem proporcionado aos vizinhos a gradação das relações de propriedade. Várias iniciativas sociais e culturais acabaram gerando uma associação de bairro diferenciada.
O lento aparecimento do comércio tem prolongado a sensação de isolamento dos primeiros habitantes. Em 1996 foram abertos um pequeno centro comercial e um cinema com 15 salas.
A população parece ser composta basicamente por pessoas com idades entre 30 e 40 anos. Uma considerável quantidade de crianças brincam nas ruas, numa referência de que a Vila tem a mais alta taxa de natalidade da cidade. O atraso na construção da nova escola tem trazido o inconveniente do deslocamento para a escolarização das crianças, pois as escolas primárias e secundárias da rua de Bogatell rapidamente alcançaram o máximo de sua capacidade.
O centro de saúde é popular e bem dirigido, o que estimula maioria das pessoas a usar o serviço público de saúde. Graças ao fato de todas as residências serem adaptadas para deficientes físicos, é grande o número de pessoas portadoras de necessidades especiais residindo no bairro.
Um dos problemas do projeto urbano foi a falta de interesse do comércio para ocupar a primeira linha de edifícios que dá para a rua Salvador Espriu, o que se deve a quatro razões:

  • Densidade populacional mais baixa que no resto da cidade;
  • O comércio existente no porto desportivo é muito distante e não atrai o público, que precisa cruzar o Parque Lineal;
  • Estabelecimentos de pequeno porte e diversificados não conseguem arcar com o alto custo dos locais destinados ao comércio, que possuem grandes dimensões em função das necessidades de espaço adicional durante os Jogos Olímpicos;
  • A tendência para a concentração em supermercados e Shopping Centers, o que afeta os comércios e restaurantes tradicionais localizados nas ruas.

Deste modo, seria extremamente útil empreender uma análise social mais científica para poder confrontar as conclusões com a intenção e a teoria deste modelo de desenho urbano.

 

 

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